segunda-feira, 19 de maio de 2014

Metáforas da vida


Em 2010 eu contei aqui sobre o acompanhamento que a Sofia faz com um pneumologista que estuda o caso dela desde bebê. No post “Não tem preço” eu relatei uma de nossas idas à capital.

Mas agora quero relembrar um episódio marcante, de uma das consultas. Algo que hoje me faz pensar nas metáforas da vida.

Depois de dezenas de exames, dos mais complexos, o médico veio para aquele papo-sentença. Daria por fim o diagnóstico do pós-UTI. Como ficou o pulmão afetado e como seria a vida dela dali pra frente.

Com aquele semblante sério, que me fazia suar frio, ele começou a relatar suas conclusões. O resumo da ópera era que o pulmão direito não irrigava nada de sangue. Em resumo, não tinha função respiratória.

Nosso saldo então era o pulmão esquerdo funcionando e a expectativa do que faríamos com o direito: tirá-lo ou não, era a questão!

Ele e nosso pediatra daqui, que acompanhou a Sofia desde o primeiro olhar fora da barriga, concordavam em deixar o órgão e ver a “evolução” dela ao longo dos tempos.

Mas ao final daquela conversa tensa, eu munida de bloquinho e caneta, fui direto para as perguntas.

- Mas Dr. Fischer, então ela nunca vai poder praticar esportes?

Com aquela certeza científica, ele me mirou firme e disse:

- Gabriela, é importante vocês terem noção das limitações dela. Não adianta investirem em esporte porque ela nunca será uma atleta olímpica!

Eu com aquele atrevimento das mães que acreditam em milagres, larguei de sopetão:

- Mas que eu saiba Doutor, existem as Olimpíadas de Xadrez, ou não?

Voltamos ao nosso mundo e o que aconteceu depois disso todo mundo sabe. Ela rompeu todas as expectativas. Cresceu, mesmo usando um medicamento que inibia o crescimento, brincou e pulou com toda energia, como se tivesse três pulmões.

Passeou pelas aulas de judô, mas não se agradou. Mesmo assim os agitos físicos dela sempre me traziam preocupação. Receio de que exagerasse na dose, que se machucasse, enfim, tudo podia acontecer.

Até que um dia ela se encantou com o jeito sereno do professor de xadrez. Chegou em casa animada com as aulas e pediu  para entrar nas Vivências Esportivas. São aulas extras que acontecem duas vezes por semana na escola, pós horário normal.

O entusiasmo e o brilho nos olhos me fascinavam. Ela descobria um novo universo e se sentia em casa com as estratégias do jogo. Para minha surpresa, quis participar de um torneio, no ano passado, o Campeonato Estadual de Xadrez.

Estimulamos a ideia, mas juro que não tinha expectativas. Passei o dia envolvida com o trabalho e cheguei na escola quase na hora da premiação.

Quando escuto a categoria oito anos e vejo o “profi” chamá-la para receber a medalha de terceiro lugar não resisti. Um misto de surpresa e significados me invadiu. Voltei no tempo e na conversa com Dr. Fischer.

A soma de nossas escolhas faz toda diferença. Ao longo dessa estrada tenho certeza de que movemos os peões certos para chegar até aqui. Foram muitos invernos duros, fisioterapias, remédios e a dúvida se estávamos dando os passos certos.

Por isso aquela medalha exposta no espelho do quarto dela guarda tantos sentidos. O maior de todos é que nessa metáfora da vida, temos certeza de que a Sofia deu cheque-mate nas dificuldades do caminho.

A verdade é que a gente nunca sabe a próxima jogada, mas a intuição faz toda a diferença.

E que siga o jogo!



quinta-feira, 8 de maio de 2014

Eu tenho a força!





No mês passado, enquanto fazia o bendito clipping de todas as manhãs, uma imagem me segurou na página do jornal Diário de Santa Maria.

Era a história da pequena Alícia, de oito anos. No alto de sua infância, ela havia doado o cabelo para as crianças com câncer.
A iniciativa dessa pequena fada surgiu quando ela escutou um diálogo que a tocou. A conversa era entre duas amigas, no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM). Uma disse que a outra estava "feia" porque tinha o cabelo raspado por conta do câncer.

Alicia prontamente avisou à mãe que queria doar seu longo cabelo. A mãe de início não levou a sério. Tamanha insistência da menina fez com que a mãe desvendasse os caminhos.

Essa fábula do mundo real mexeu comigo. Desde então a ideia não saiu mais da cabeça.

Me parei a pensar no que acontece todo final de ano. Com a chegada do Natal nos imbuímos de uma comoção estranha.

Sentimos um impulso incontido de ajudar, doar, repartir. Mas e no resto do ano. Por que nossa comoção tem data marcada?

Qual a distância entre a minha vida e a do outro? O que realmente é da minha conta?

Essa mistura de interrogações rondou a minha cabeça por um tempo. Até que me olhei no espelho, com a trança embutida bem ajeitada e pensei: e eu, estou esperando o que para fazer alguma coisa.

Por que não doar o meu cabelo?

Cabelo é uma coisa permeada de simbolismos. Não sei que tipo de apego a gente desenvolve com ele, mas a verdade é a coisa é milenar.

Desde os tempos bíblicos de Sansão, que tinha a força nos cabelos, até Rapunzel do imaginário infantil.

Enquanto eu avaliava essa vontade contida, pensei sobre o assunto em voz alta. Nesse instante a Sofia ouviu e de salto disse:

- Mamãe, eu quero doar o meu também!

Pronto, agora não tem mais jeito. Aquele gesto espontâneo foi o estímulo que faltava. Marcamos dia e hora para o feito.

Hoje acordamos animadas, dispostas a realizar esse desejo.

Eu tive cabelo comprido toda vida. Nunca usei um curtinho. Nem quando tive piolho. Quando sentei na cadeira me deu um nervosismo estranho. Uma ansiedade misturada com emoção.

Depois da tesourada fatídica veio a sensação libertadora. Não sei explicar quantos medos escoaram pelo ralo naquele instante.

Enquanto isso, na cadeira ao lado, eu escutava os comentários da Sofia, enquanto o Nauro registrava tudo.

Em altos papos com o Nilton, vibrava a cada tufo de cabelo que era cuidadosamente separado. Super bem resolvida em relação à decisão.

Aos oito anos de idade as meninas querem mais é ter cabelos longos, como as princesas das fábulas. Mas minha sorridente companheira estava realizada com seu novo corte chanel.

A verdade é que o dia de hoje foi marcante para nós.
Ganhei o melhor presente de Dia das Mães do mundo. Ela me deu a coragem de cortar.

Amanhã, depois de secos os cabelos serão enviados pelo correio para o Instituto de Câncer do RS. Desejo que as cabecinhas que receberem nosso cabelo sintam todo carinho que vai nesse gesto.

Nossas boas energias estarão em cada fio de cabelo. E o desejo de que cada criança tenha o seu final feliz!


P.S.: Quem tiver vontade de fazer o mesmo, aí vai a dica:

O cabelo pode ser enviado pelo correio pro Instituto do Câncer do RS (ICI), aos cuidados de Taise (Comunicação).

Endereço:
Rua Francisco Ferrer, 276
Bairro Rio Branco
Porto Alegre/RS
CEP: 90.420-140










Fotos: Nauro Júnior

sexta-feira, 25 de abril de 2014

O guardanapo do Aquários


Coração palpitante, brilho nos olhos e vontade de ser feliz. O namoro estava começando, mas a sintonia era tanta que exigia testamento.

Naquela tarde morna de outono separamos dois guardanapos de papel do suporte metálico que repousava na mesa do Café Aquários.

O primeiro foi divido em dois pedaços.

Cada nesga do papel fino, virou uma aliança. O círculo enrolado à mão sacramentou a promessa: a vida é breve demais para não ser especial e intensa.

Aquele ato simbólico, testemunhado pelas garçonetes, em meio ao aroma de café, celebrou nossa união.

No segundo papel separado sobre a mesa, a caneta esferográfica desenhou nossos sonhos. Uma lista pequena, simples, mas cheia de significados.

Abaixo do item “construir nossa casa” estava “fazer faculdade”. Sim, o menino de olhos curiosos, que assinou carteira de trabalho aos 12 anos como sapateiro no Vale dos Sinos, tinha esse sonho.

Guardado às sete chaves. Imerso na sua caixa de Pandora.

Começamos a vida à dois e aos poucos os itens da lista foram sendo riscados. Até que um dia eu questionei quando ele se atiraria no mundo acadêmico.

A resposta veio em um rompante, como são todos os arroubos de ideias desse cara singular:

- Quem sabe agora!?

No dia seguinte era o último dia de inscrição do vestibular. Era também a data de uma palestra que ele daria para os alunos de arquitetura do ILA.

Meia hora antes do horário do banco fechar, levantei discretamente no auditório, fui no ouvido dele e disse que iria lá fazer a inscrição para o vestibular. Ele me olhou e balbuciou de longe:

- Para História, né?

Eu acenei que sim e sai ventando para a agência do Banco do Brasil. Naquela fila imensa e lenta me parei a pensar na vida.

Com o manual do candidato em mãos, folhei as páginas e viajei nas possibilidades. Um mundo de caminhos distintos naquelas páginas esverdeadas.

Quando chegou minha vez o caixa perguntou o código do curso. Pensei...entre rememorar fatos históricos e desvendar os mistérios do pensamento...filosofia!

A partir de então, o mundo das imagens era também o dos pensamentos. E vice-versa.

Foi um desafio do tamanho do mundo. Quem acompanhou de perto sabe a dureza de cada uma das etapas.

Textos densos, rotina estafante, pautas do jornal misturadas aos viajantes do saber.

Tudo isso em noites frias, onde o silêncio era rasgado pelo ronco do Fusca azul. A rota "Porto-Areal Fundos" era infinita. Insana. Intraduzível!

Foram muitas as dúvidas. Mas se a filosofia é feita de muitas perguntas e os sonhos para serem transmutados: eis a resposta!

A verdade é que a filosofia mudou a nossa vida. Sim, a nossa: Nauro, Gabi e Sofia. Por isso amanhã riscaremos juntos, no Café Aquários, o último desafio do guardanapo.

Seremos seis mãos riscando o papel. Três seres realizando um sonho em comum. E como disse Aristóteles, a coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.

Parabéns meu amor e que venham mais guardanapos na nossa vida!

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

As fronteiras e o bolo de fubá

A vida é permeada de fronteiras. Sejam delimitações físicas que sufocam as saudades, ou invisíveis linhas que invadem a intimidade.

Difícil essa arte de saber até onde ir. A opinião construtiva pode desconstruir amizades. O conselho pode julgar em vez de alinhar.

A boa intenção não cabe na invasão.

O universo das relações humanas sempre foi esse quebra-cabeça. Cada peça vai segmentando nosso relicário de afetos. Nunca sabemos ao certo se não ultrapassamos algum sinal.

A sensibilidade de cada um dá as cartas.

E foi depois que reencontrei uma amiga essa semana no shopping que parei para pensar. E como sempre, esse pensamento começou a crescer na minha cabeça, como um bolo de fubá.

Vou contar sobre esse encontro, para saborearmos juntos uma fatia do bolo.

Depois do abraço quentinho, no meio da praça de alimentação, comentei o quanto ela estava bonita.

A beleza sempre fez parte daquele rosto colorido, mas tinha um algo a mais naqueles olhos azuis.

No bate papo inicial ela me contou do novo emprego, da tranqüilidade da sua rotina atual.

Avaliamos os benefícios da reviravolta, do cotidiano longe do jornalismo. Mais do que um maior retorno financeiro, ela encontrou o pote de ouro no final do arco-íris.

Sim, ela agora tem “tempo”!

Esse precioso e revigorante elemento, que muda a vida das pessoas. Um tempo que antes era engolido pela rotina frenética de uma redação. Por notícias que não podiam esperar. Por tragédias que precisavam ser contadas, pela denúncia que saltava.

Enquanto isso o mundo girava e os seus desejos ficavam guardados debaixo da cama. Para amanhã, para depois de amanhã. Para algum dia. Esverdeando, perdendo o viço.

O que os olhos azuis me contaram naquele encontro no shopping incluíam uma nova rotina. Novos ares, mas principalmente a leveza do convívio com o amor incondicional.

O seu novo tempo permitia - entre outras coisas - participar da rotina das terapias especiais da filha.

Uma relação linda, e que agora contava também com acompanhamento intensivo. O tempo dava bem mais que minutos, dava o cordão umbilical. A filha tinha agora sua mão segura, todos os dias e horas.

Como resultado, seu desenvolvimento evolui!

Minha surpresa veio quando ela disse que a decisão de virar a mesa teve influência em uma conversa nossa.

Foi na minha invasão de fronteira que chegou o empurrão que ela precisava. Não lembro exatamente o que eu disse. Mas imagino que tenha sido alguma coisa como:

- Não temos tempo a perder!

Acho que a influência da poesia do Legião Urbana na minha vida foi mais forte do que eu imaginava.

Fiquei emocionada com essa nossa história. Esse encontro não saiu mais da minha cabeça nos últimos dias. Então resolvi escrever.

E agora enquanto as linhas iam surgindo me dei conta do que enxerguei naqueles olhos azuis. Eu vi paz. Esse sentimento tão perseguido, vizinho de porta da felicidade.

Por isso a receita desse meu bolo de fubá inclui o desejo de que nesse mundo sem fronteiras, as nossas palavras sirvam para invadir boas mudanças.

Bom proveito!