quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

A geléia de morango


Nessa linha profissional de fazer fotos de casamento, que iniciamos timidamente em 2009, acabamos por participar de momentos muito importantes das vidas das pessoas. Estar presente, registrando isso para sempre, é uma responsabilidade muito grande. Mais que fotógrafos e produtores do álbum dos noivos, sei que estamos acompanhando pessoas prestes a pisar em um sonho muito esperado. Para estarmos ali sem interferir na cena daquelas vidas, procuramos ser expectadores.

Mas nem sempre acontece dessa forma. E foi assim que no último domingo passamos momentos muito felizes ao lado de duas famílias sensacionais. O casamento da Renata e do Dani, nos rendeu mais do que boas fotos, mas momentos singulares. Acompanhei a preparação da noiva, ao lado do Gustavo. Durante toda tarde conheci melhor uma menina suave, sensível e extremamente bela. Daquelas belezas que começam por dentro, e acabam coroando um físico belíssimo. Durante a sessão de fotos no salão, fomos conversando e fui entendendo melhor aquele amor que em poucas horas seria sacramentado. Enquanto isso o Nauro estava com o Dani, já no local do casamento. Assim como a Renata, ele é daquelas pessoas que falam na altura da calma. Que passam paz interior pelo tom de voz. Uma duplinha rara, nos agitados dias de hoje.

A cerimônia de casamento foi o retrato disso tudo. As duas irmãs foram responsáveis por dividir com os convidados a história do casal, desde o começo. Cada uma com sua cor e seu estilo, duas irmãs que tinham em comum bem mais do que o ar despojado. Mas sim um carinho e admiração imensa pelos seus irmãos. Finalizaram aquele momento com uma frase linda, do poeta Mário Quintana. Celebraram aquele amor, de verdade, e tive o privilégio de assistir a uma das mais belas cerimônias de casamento que já vi.

Nesse mesmo clima e intensidade, rolou a festa. Com cardápio vegetariano, guitar play, muitos flashes, cup cakes fantásticos e...a geléia de morango da Ceres. Naquele cenário de tantos detalhes simbólicos, a lembrancinha do casório não poderia ser mais apropriada. A Ceres é a mãe do noivo, e fez pequenos potinhos de geléia de morango para os convidados levarem aquele doce-carinho para suas mesas de café. Ganhei dois potinhos e trouxe para o meu momento preferido entre todas as refeições.

Ontem, a Sofia inventou de fazermos um pic-nic na sala, e lembramos de colocar a geléia entre as “deliciuras”. Quando botei aquele pedacinho de doce na boca, senti o sabor das tardes inesquecíveis na casa da Voinha. Foi uma viagem ao encontro da minha avó mimosa, com quem vivi momentos que estão impressos nas minhas melhores páginas de vida.

A Voinha morreu com 91 anos, muito bem vividos, diga-se de passagem. A história dela vale muitos posts, mas resumo aqui a história de uma costureira que ficou viúva cedo e tinha sete filhos para sustentar. Começou a costurar para fora para alimentar a prole. Ao longo de muitas décadas, fez a “Regalo”, uma confecção de lingerie que foi um verdadeiro sucesso. Depois de aposentada, começamos as duas juntas a inventar outras “modas”.

De início pensei em uma forma de manter a Voinha conectada com o mundo. Mera ilusão, ela não só se conectou ao mundo como começou a produzir geléias deliciosas, que eu vendia na Prefeitura, para meus colegas na época. A coisa cresceu tanto, que fizemos embalagens personalizadas. Ela costurava as “saias” para os potinhos e eu fiz uma etiqueta personalizada, que tinha até o SAC para os clientes. Abaixo divido com vocês essa divertida lembrança, que hoje serve para matar a saudade de uma pessoa muito especial, que tive o prazer de dividir momentos únicos da vida.

Por isso te agradeço Ceres, porque a geléia de morango me alimentou a alma nesse finalzinho de 2009. São essas as verdadeiras delícias da vida!

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Paz + Saúde

Esses dois dias que precedem a virada do ano sempre me deram uma certa angústia. Não sei o porquê, mas é uma sensação de dever cumprido com sede de vida. Sentimentos totalmente contraditórios obviamente, mas que me invadem.

Olhando para 2009 vejo que foi um bom ano. A Sofia atravessou o inverno e a ficou imune à gripe A. Teve apenas uma pneumonia, o que é considerado um saldo mais que positivo. Ingressou na fase das descobertas do mundo e me levou junto a lugares tão mágicos, que nem lembrava mais que existiam. São as grutas do mundo infantil, que com o tempo esquecemos que existem. Muitas lições aprendi esse ano, assistindo aos desenhos antigos e novos, mas que nos fazem relembrar que a vida sem magia fica sem graça.

O Nauro realizou um grande feito, publicando seu primeiro livro, com sucesso absoluto de vendas. Além disso, ajudou de certa forma muita gente a digerir a dor da tragédia do acidente xavante. No ano em que completou 40 anos acho que meu marido amadureceu muito. Como todo grande passo, precede de alguma dor, acho que ele soube encarar os problemas do início do ano e vencer os desafios. Hoje vejo poucos cabelos brancos na sua cabeleira negra, mas contemplo no meu parceiro de vida uma certa calma de espírito que me faz muito bem. Continuamos sonhando juntos, e isso é muito bom.

Nesses doze meses ganhamos novos amigos, compramos um carro novo, perdemos nosso cachorro-amigo, viajamos pouco, compramos mais um pedaço de terreno pra nossa casa, trabalhamos feito doidos, descansamos quase nada, economizamos muito e comecei esse blog-terapia. Acho que só essa listinha que me ocorreu rapidamente, já justifica uma bela despedida para 2009.

E tu 2010, o que nos prepara?!

O Nauro tem fé de que vai ser um ano nota 10.
Eu desejo, de coração, que seja um ano com paz e saúde. E não é jargão de cartão de livraria. Sem esses dois elementos, todo o resto não faz sentido. Por isso meus amigos queridos, são esses os meus desejos para todos que fazem parte da minha vida real ou virtual.

2010 + paz + saúde = Tudo de bom!

sábado, 26 de dezembro de 2009

O espírito da coisa

Hoje foi ao ar o especial de final de ano do Caldeirão do Huck, com a história de Dona Conceição. O Brasil conheceu um personagem da vida, que nós pelotenses já admiramos há tempos. Lindo o gesto do João Bachilli e sua trupe, que encontraram uma linda forma de agradecer todos os conselhos espirituais que ela sempre deu a eles. Era como a lanterninha, que apontava a luz para o lugar certo. E assim o Grupo Tholl foi dando seus passos pelo mundo, mas sempre com os pés no chão. Mas isso é outra história, que merece um capítulo à parte.

Hoje assistindo a humildade daquela mulher, lembrei das minhas muitas idas naquele barraco de madeira. Eu ia na casa da Dona Conceição em busca de um auxílio espiritual, que ela tão bem sabia dar. Foi naquela salinha escura, e repleta de imagens de santos, que ouvi os sábios conselhos do meu avô Rafael. Ele faleceu de leucemia quando eu tinha dois anos, e sua doença foi descoberta alguns dias antes de eu nascer. Me criei ouvindo coisas boas sobre ele, onde quer que eu andasse e sempre sentia por não ter me cruzado com ele nessa vida. Mas foi através da mediunidade da Dona Conceição, que meu avô me disse coisas lindas e acalmou um coração juvenil, doído pelas primeiras decepções amorosas.
Lembro que quando isso aconteceu fiquei assustada. Cheguei em casa atônita e fui correndo contar para minha avó, a Chocho. Descrevi as palavras que tinha escutado e ela encheu os olhos de lágrimas. Disse que era ele mesmo, e que podia ouvir aquelas expressões, bem do jeito dele de dizer as coisas. Os dois viveram um daqueles amores que ultrapassam o céu e a terra, lindo e intenso. Mas como ele se foi muito cedo, minha avó sempre transpareceu com sua alegria de viver, o privilégio que teve em estar aqui por um tempo com ele. Foi um amor singular, como sempre digo, e ela sempre soube disso.
E foi depois de ouvir o recado através de Dona Conceição, que procurei conhecer mais o quê aquela mulher “mensageira” fazia de tão incrível. Ela acolhia cada anjo deixado na sua casa, abrindo aquele vasto coração de mãe e instalando o que recebia de Deus, com o maior carinho. Naquele tempo eram cerca de 40, hoje vi que já passam dos 50.
Hoje ela recebeu uma casa reformada, um microônibus e algum dinheiro. Mas a gente podia ver nos olhos dela, que em alguns momentos ficava até constrangida. Vai ser maravilhoso poder dar esse conforto para todos seus filhos. Foi um grande presente e tenho certeza de que eles vão saber desfrutar. Mas ela é tão incrível, que sempre que pôde, ressaltou no ar que o que importa não é só isso na vida. E foi essa mensagem que fez desse programa tão especial. Aqui em casa nos emocionamos de início ao fim. E ficamos com o coração cheio de orgulho por saber que esse bom exemplo, está bem pertinho, na nossa tão amada Pelotas. Isso serve para aproveitarmos o ensejo e pensarmos um pouco mais no que realmente importa. Afinal de contas a vida está rolando e a festa é nossa, 2010 está chegando. Mas não podemos esquecer o espírito da coisa!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Alfarrabos - parte III

O vento Minuano, a goiabeira e eu

Uma infância no sul do Rio Grande do Sul tem lá suas peculiaridades, e não é pela geografia mais plana ou pela churrasqueira cativa no quintal. Nossa infância de guria é povoada na maior parte por uma trilha sonora muito típica: o zunido do vento Minuano. Lembro bem da dimensão que tinha o tempo e de como os invernos eram longos. Quase intermináveis.

Na espera de estações mais amenas já acordávamos enroupados. Depois da caneca de louça com café-com-leite, e antes de corrermos para o pátio, tínhamos que trocar a ceroula por várias camadas de agasalho, antes de encarar o “friozão”. Na primeira meia hora de aventura, já tínhamos alguns blusões amontoados no pé de alguma árvore. Só ficávamos com a “baxeira” - nome dado à camiseta de baixo, que até hoje povoa guarda-roupas de todas as idades.

Cada estação, por ser bem definida, tinha sua atração especial. A minha preferida sempre foi o outono, não por anteceder ao inverno, mas por inundar a goiabeira de frutos apetitosos. O cheiro da fruta até hoje me remete a boas sensações. Quando cruzo o corredor de algum supermercado, me pego com aquela sensação deliciosa que os aromas de infância nos proporcionam.

Acho que a relação entre o vento minuano a goiabeira e eu foi muito profunda. Ainda hoje, ao ouvir o zunido do vento sul ou cruzar com alguma goiaba lembro o quanto foi bom ser criança. No pé da goiabeira descobri muitas coisas sobre a vida.


Aprendi que mesmo as melhores coisas da vida têm seu tempo de chegar e partir. São como os outonos que trazem as goiabas e as primaveras que levam os Minuanos!

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Alfarrabos - parte II

Dias para Viver

Tempos bicudos, diriam nossos avós. Para dizer a verdade, acho que naqueles tempos crise mesmo era de asma, o resto era apenas uma variação no peso das vacas: às vezes mais magras , às vezes mais gordas , mas sempre pastando. Hoje, não dá para jantar e simultaneamente assistir a televisão. Corre-se o risco de um engasgo entre a CPI dos bancos, o vaivém do dólar* e o ataque histérico do Ratinho. (*isso foi escrito em 2000!)
Este é o Brasil ! Apesar dos pesares, pátria amada Brasil. Seguimos firmes e fortes, só não podemos perder o bom humor - nossa maior arma. Mesmo que o inverno este ano esteja "de lascar", que você e o cheque-especial tenham formado uma dupla sertaneja e que o papel-higiênico acabe sempre na sua vez ... Coragem! Ainda existem muitas coisas "legais" para se fazer.
Para começar, descubra coisas simples que, às vezes, nem lembramos existir. Que tal ler aquele livro de cuja capa você gostou? Pode ser um bom começo – pelo menos uma maneira de elevar o nº de livros lidos ao ano por brasileiro . Se ainda não lhe pareceu uma boa saída, que tal uma caminhada pela rua , sem pressa , ouvindo o som de cada esquina ? Ou tomar um mate com o porteiro do seu prédio e ouvir a estória daquela pescaria que ele fez no final de ano ?
São muitas as alternativas: tomar uma taça de vinho tinto na sexta, um cafezinho com o vizinho no sábado ou uma xícara de chocolate-quente no domingo. Se quiser esquentar o coração, experimente convidar um moleque de rua para comer um lanche e conversar . Você vai querer repetir o papo e ele com certeza o cachorro-quente.
Se você curte uma boa conversa, ouça alguém com mais de 70 anos, viaje no tempo e sinta a emoção de quem o conduz.
A atividade pouco importa, mas sim , que você resgate, lá dentro, uma corzinha alegre para pintar estes dias tão cinzas. Como diz a música...

"Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranqüilo".

Carpe Diem !

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Alfarrabos - parte I

Mexendo nos meus backups dos tempos da faculdade, encontrei um Cd com várias crônicas que escrevia na época. Isso lá pelos idos do final do seculo XX. Me deu uma nostalgia daquelas e resolvi reler cada um dos escritos. Divido aos poucos aqui, com meu divã-virtual!

* Este foi publicado no jornal Diário Popular de 30 de dezembro de 1998.

Querido Papai Noel

Por mais que o tempo passe, não consigo esquecer aquele tempo em que acreditava no senhor. Guardo às sete-chaves, a deliciosa sensação que eu, e mais meia dúzia de primos, sentíamos nos dias 25 de dezembro de muitos anos atrás. Era sempre depois do almoço, no apartamento da nossa Voinha. Engolíamos a comida natalina rapidamente e fingíamos não ver os sinais disfarçados de nossos tios e pais, que entre mímicas e frases enigmáticas, preparavam a tua chegada.

Ao ouvirmos o toque da campainha, corríamos sem saber para onde, procurando esconderijos estratégicos entre a porta de entrada e a árvore de Natal, onde alguns se entrincheiravam até sentir que a situação estava realmente confiável e que o senhor era de fato um “bom velhinho”. O som da sinetinha se aproximando pela escada fazia com que nossos corações atingissem um ritmo alucinado. Quando, por fim, visualizávamos o senhor com aquela roupa vermelha, todo suado, carregando no ombro o saco onde estavam materializados todos os nossos sonhos...nossa!!! Era a própria essência da felicidade! Olhávamo-nos com excitação e cumplicidade, cada um dos primos esperando ouvir seu nome ser chamado para depois correr para o abraço e merecer o honra de dar um beijo no Papai Noel.
Com o passar dos anos chega o dia em que “aquele” primo mais velho que já se acha “grande” resolve dar um pontapé no teu castelo de areia e conta que o senhor de fato não existe. Acho que é a primeira sensação de desilusão que conhecemos na vida. Depois desta, jamais olhamos o Coelhinho da Páscoa da mesma maneira. Mas, para ser sincera, acho que nunca deixamos de acreditar no senhor, mesmo que os anos transformem nossos sonhos e que nossa vida ao vivo seja bem menos excitante.
Sobrevivemos ao trivial e sempre que chega época de Natal uma luzinha acende dentro de nós e faz com que vejamos o verdadeiro significado do Natal, mesmo que seja cada vez mais a “salvação da lavoura” para maioria dos lojistas, a época de entrar de vez no cheque-especial, e a folga liberada para os nossos amigos do Congresso. Com todos esses “poréns” paralelos, mesmo assim eu sei que muita gente enxerga além do seu próprio umbigo. Pode ser naquele cartão com o mesmo desenho do ano passado que se envia para algum amigo esquecido, naquela briguinha com o vizinho perdoada com uma cervejinha na sacada ou no carinho espontâneo naquele moleque que te entrega o mesmo panfleto todos os dias, na mesma esquina. As formas são muitas, mas o sentido é um só. Por isso e por mais milhares de crianças que ainda brilham os olhinhos ao ver o senhor nas lojas, ou mesmo de longe, é que acredito que o senhor existe sim, e que neste Natal vai fazer muito marmanjo feliz.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Por que?

Acompanhei a fase de perguntas da minha prima Isadora, depois da Júlia e da Luisa e achei que estava preparada para as dúvidas de sempre, tipo:

- Por que os meninos têm tico e as meninas pepeca mamãe?!

Mas nos últimos dias a Sofia entrou com tudo nessa fase instigante, e nem me deu tempo de pesquisar as últimas tendências comportamentais na Internet.

Pois é, porque no meu tempo a gente perguntava essas coisas. No máximo alguma extravagância como:

- Por que os caranguejos caminham para trás?

Era o máximo da esperteza. Mas o mundo mudou, como todos nós sabemos, e com ele além da tecnologia e do efeito estufa, ascrianças vieram pensando bem mais do que a gente pensava. Sei lá, deve ser alguma coisa na composição do oxigênio ou efeito colateral da nossa alimentação, não sei, mas que mudou, ah mudou.

Olhem essa. Em pleno domingo a tarde, eu quase pegando no sono, e a Sofia dispara:

- Mamãe, o que significa “sensível”?

Pensei na hora, mas de onde essa guria me tira isso. Agora mesmo estava assistindo aos Backyardigans no quarto. Não acredito que o Tyrone tenha trocado algum diálogo com a Oníqua sobre a sensibilidade da raça humana. Bom, mas vamos lá, mãos à obra. Não basta ser mãe, tem que participar.

- Bom Sofia, sensível é uma pessoa que se emociona com as coisas. Que assiste por exemplo a uma propaganda na TV, e chora quando sente que é emocionante.

Ela olhou calmamente e rebateu:

- Mas o que é emocionante mamãe?

Ah meu santo, mas não é que presta atenção em toda frase mesmo e ainda redige outra pergunta.

- Bom Sofia, é quando alguma coisa toca o coração da gente, sabe?!

- Claro que sei mamãe.

Que bom, pensei eu, assunto resolvido e encerrado.Passou a tarde e ela seguiu suas brincadeiras de boneca e desenhos. Até que no cair da noite estávamos, o Nauro e eu, sentados no quarto, e ela veio:

- Mamãe, por que as meninas têm medo e os meninos não?

Eu pulei.

- Sofia, quem disse isso. As meninas são muito corajosas sim.

- Mas mamãe, as meninas têm medo de uma lagartixa, por exemplo. Lembra quando entrou um morcego aqui em casa? Nós ficamos com medo e o papai teve que matar ele. Nós sempre temos medo das coisas e eles não.

- Alto lá meu amor. A mamãe vai te explicar, que os meninos também têm medo. E tem coisas que só as meninas têm força e coragem pra fazer. Por exemplo, tu lembras que tu saísses de dentro da barriga da mamãe né?

- Sim, eu lembro.

- Pois então, só as meninas têm a força e a coragem de carregar os nenês na barriga e depois, na hora do parto, fazerem força e agüentar firme, até os bebezinhos virem ao mundo. Os meninos teriam medo, tenho certeza.

- Ah é mamãe, é verdade.

- E tu lembras quando a mamãe usa aquela fraldinha e sai um sanguezinho durante uns dias? Pois então, só as meninas tem a força e a coragem para segurar firme as cólicas, e agüentar aquele desconforto todo o mês.

- Ah é mamãe, é verdade.

Bom, depois disso ela se acalmou e saiu do quarto pensativa. Achei que tinha dado uma grande lição e que ela se daria por satisfeita por semanas. Fui colocar meu pijama e fazer a mamadeira. Quando entrego o leite ela me olha e diz:

- Mas mamãe, o que é a mentira?

Ahhhhh nãoooooo!!! Eu preciso de mais alguns dias para responder.

-Sofia, vamos dormir e amanhã eu te respondo, pode ser? Na hora do café da manhã a mamãe te explica. Boa noite!

Saí rapidinho antes que ela resolvesse me perguntar o que era um “relacionamento” ou alguma coisa desse gênero. Socorro. Fui dormir e na manhã seguinte acho que ela esqueceu que eu tinha ficado com essa dívida. Ainda bem, vai dar tempo de fazer aquela pesquisa dinâmica e me preparar para as próximas perguntas cabeludas!!!

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Refuerzo

Dentre as tantas histórias hilárias que me vejo envolvida às vezes, uma recentemente marcou a entrada nos meus 41 anos de vida.

Na verdade, nos últimos anos elas tinham parado um pouco de acontecer. Eu já estava me achando uma senhora madura, com quatro décadas de estrada, mãe de família. Achei que essas coisas tinham ficado nas memórias da juventude.

Ledo engano!

Este ano o meu aniversário (29 de outubro) caiu bem no dia em que o Nauro, a Mari e o Etchuchiry (Chuchu) recebiam uma homenagem na Casa de Cultura de Jaguarão. Como a programação envolvia uma palestra com os aventureiros da Expedição Lagoa Mirim, programamos ir para Jaguarão depois do almoço e depois da função terminada, sairmos juntos para jantar no Restaurante Batuva, de Rio Branco. Adorei a idéia de passar o aniversário no “exterior”, ainda mais que poderia reunir minha irmã que mora lá, sobrinhos, cunhado e mais a Mari e o Chuchu.

Chegamos no meio da tarde e fomos direto para casa da Kiki, minha mana querida. Deixei o Nauro no hotel descansando e seguimos as duas e mais a Sofia para as compras. Não adianta, por mais que não tenhamos nada para comprar, a proximidade com um free shop parece que suga a gente. Não sei que atração é essa, mas acontece com todo mundo que se aproxima da Ponte Mauá, é estatístico.

Então cruzamos a tal da fronteira e seguimos pela avenida principal de Rio Branco. Até que vi um lugar livre bem em frente à Tenda Montevideo, minha preferida. Dito e feito, dei o pisca no meio da rua e estacionei o carro no oblíquo, como era indicado para o local. Descemos as três bem faceiras. A Sofia já apontando para uns tênis rosa na vitrine, imitação de All Star. Olhei para o flanelinha que me acenava e gritei da porta da loja:

- Ok, pode cuidar!

Paramos para olhar melhor as ofertas, eu achando lindo o tênis e fazendo o câmbio, quando escuto o insistente chamado:

- Senhorita, senhorita, veni a cá!

Olhei para o meu carro e vi um flanelinha parado ao lado, com dedo em riste, me chamando. Pensei cá com meus botões: Que flanelinha abusado esse, quer acertar o preço antes de eu voltar. Mas, como era meu aniversário, decidi que não queria me estressar. Desci até a calçada e perguntei:

- O que o senhor quer?

Ele me olhou com os olhos faiscando e disse:

- Su habilitación, senhorita!

Foi quando subi os olhos para aquele bonezinho cáqui surrado e li:
Po-li-cí-a.

Nisso minha irmã já vem com a Sofia pela mão e com os olhos arregalados. Eu peguei a carteira de motorista e me dei conta de que ele deveria estar querendo o meu fígado, porque achei que com aquela farda esfarrapada e o “X” desbotado no meio do peito, ele mais parecia os nosso flanelinhas daqui. O cidadão furioso, depois de olhar a carteira de habilitação, pediu os documentos do carro.

A estas alturas a Sofia já estava no meu colo, apavorada. Morre de medo da polícia e já tinha se dado conta (antes de mim) de que se tratava de uma “autoridade policial”. Peguei o documento do carro e na hora que ele segurou, saiu em disparada para o meio da rua. Nisso minha irmã caça ele pelo braço e diz:

- Ah não, levar os documentos não. O senhor tem que provar que é policial mesmo, senão não pode levar!

Pra quê! Esse homem começou a ficar verde e por alguns segundos achei que se transformaria no Incrível Hulk. Começou aquele bate-boca bilíngüe no meio da rua. Minha irmã e eu perguntando pra ele o que tínhamos feito afinal de contas, e dizendo que ele não tinha o direito de levar os documentos. Ele dizendo sei lá o que em um espanhol mais ligeiro do que nossas mentes insanas pudessem acompanhar. Nisso o homem levanta o braço, prende o apito na boca e grita:

- Refuerzo!!!

Socorro! O guarda estava pedindo reforço para nos levar presas em pleno Rio Branco. Parecia que aquilo não estava acontecendo. A Sofia grudada feito um carrapato no meu pescoço e nós as duas entrando na Delegacia, do outro lado da rua, para prestar esclarecimentos. Se é possível que se possa esclarecer essa confusão toda.

Fomos recebidas por uma senhora enorme, vestida em uma farda marrom, com as duas mãos no bolso e um olhar de baixo para cima. Era a delegada. Muda. Não falava uma palavra, só olhava a cena. Enquanto isso o flanelinha, ops, o guardinha e minha irmã seguiam naquela convulsão de palavras.

Resumo da ópera. No Uruguai é proibido dobrar no meio da rua, mesmo que para estacionar, entrar em uma garagem, qualquer coisa desse tipo. Só se pode dobrar em esquinas (nunca mais esqueço!). No Brasil pode, e daí?

Daí que depois de muito papo, a situação parecia não ter saída. Até que a Kiki lembrou do meu aniversário e veio com o velho papo:

- Mas o senhor vai nos deter no dia do aniversário dela? Imagine o trauma para essa criança e para mãe dela...

E assim debulhou um rosários de lamentações que acabou comovendo aquele coração Hermano. Fomos liberadas depois de atestar a data de 29/10/1968 na carteira de motorista. Ele olhou, levantou uma das sobrancelhas e disse:

- Está bien, pero en la próxima vez no hay perdon!

E assim nos despedimos do guarda mais mal vestido do Uruguay. Nos enfiamos rapidamente em uma loja, antes que ele mudasse de ideia e me fizesse passar um cumpleaño inesquecível, no xadrez.

Nota da redação: Ontem fomos à Jaguarão para o lançamento do livro do Nauro e adivinha quem eu encontrei em Rio Branco? Ele mesmo, e o pior, tive a sensação de que estava me seguindo!!!!

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Carta ao Luís Fernando Veríssimo

Querido Veríssimo,

Pode parecer estranho essa carta, mas por mais que pareça, não é mais esquisito do que te olhar diariamente ao lado da Santa Terezinha.

Calma, eu vou explicar!

Vocês os dois me acompanham diariamente. Desde a primeira xícara de café, às 7h, quando subo para o escritório ainda de pijama e pantufas. Eu nem tenho vergonha de chegar escabelada, vocês já são de casa.

Ainda sonolenta, começo a fazer o tal clipping de notícias para aquela agência de São Paulo. São sete jornais, tenho que ler todos de cabo a rabo.

Às vezes comento contigo aquelas notícias que parecem mais anedotas de tão improváveis. Tu só me olhas com aquela cara de quem não tem nada a ver com isso. A Santa Terezinha é diferente, fica me fitando com um olhar firme, sério.

Aquelas mãos lindas, parecem até de pianista. Fica tesa, segurando o ramo de rosas e o crucifixo. O que será que ela pensa? Deve achar que esse mundo está mesmo perdido. Daí me olha com cara de quem vai mandar redobrar os cuidados nas áreas de risco.

São 7h30 e minha filha Sofia acorda. Peço para cuidares um pouco do computador e desço pra levar a mamadeira de leite com Nescau. Tem que ser “morninho”, ela sempre lembra.

Volto correndo, não posso passar das 8h30. O contrato com a tal agência é bem claro. Quanto mais apuro para terminar o clipping, mais tu me distrais.

Te olho de novo e fico pensando por que homens barrigudos gostam tanto de usar colete ? Esse teu colete azul marinho tem cara de roupa escolhida pra “afinar”, como dizia minha avó. Ela adorava vestir uma roupa que a deixasse mais delgada.

Olhando melhor, acho que foi tudo planejado com essa intenção. A camisa é listrada. Listras na vertical. Sempre me disseram que são ideais nessa estratégia da minha avó, de adelgaçar.

O clipping está no final. O café já está esfriando e a Sofia já chamou três vezes. Mas antes de descer meus olhos são puxados pela estrela.

Me vejo de jaqueta jeans, bolsa atravessada, e a estrela no peito. Isso foi lá por 2001, eu acho, quando viesses com teu grupo de jazz para uma apresentação noturna.

Não que me lembre direito, digo isso pelo tamanho da estrela. Com o passar dos anos ela foi diminuindo. Hoje está guardada lá na caixinha de brincos do banheiro. Nada pessoal, só que com tanta bandalheira para os lados de Brasília, ela virou tesouro do passado.
Mas voltando ao início, é assim que nos encontramos todo dia, no porta-retrato da minha escrivaninha. Sempre nessa correria. Às vezes nem nos olhamos.

Outros dias, meu papo é mais com a Santa Terezinha. Tem épocas que só dá ela. Fica super solicitada. São dias pesados, mas que passam. E aí, nos dias mais leves, te encontro novamente.

Somos cúmplices. Além do mais, estou com o braço enfiado no teu. Assim, que nem faço com meu pai quando andamos na rua. Acho tão mimoso. A gente se engancha, dá uma sensação de cumplicidade mesmo.

Acho que é isso, às vezes tu é meio pai mesmo. Outros dias, meu cúmplice da indignação. Outros da alegria, de saborear essa vida tão rara.

Imagina que quando nasci, tu estavas começando a assinar matéria na Zero Hora. Olha só, e hoje nós os dois abraçados no lugar de maior destaque do meu escritório, fazendo o clipping juntos.

Quanta honra para uma jornalista nascida em pelo ano de 1968.

Acho que foi por isso que achei engraçado. Como esse mundo é pequeno. A gente se acompanha há tanto tempo, mas tu nem imaginas que me estás aqui. Daí achei que tu precisavas saber.

Na verdade a tecnologia não chegou a tanto e ainda não tenho o e-mail da Santa Terezinha. Mas se quiseres posso copiar essa foto e te mandar. Ia ser legal né ?! interatividade total!

Um super abraço meu companheiro de tantos anos!
Com carinho,

Gabi

P.S.: A camisa de listras na vertical é muito alinhada, não esquenta viu?!